quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A sexualidade infantil no tempo e espaço do adulto

Mamãe, onde eu estava antes de eu nascer? Como entrei na sua barriga? Como saí dela?
O que é namorar? Você vai ter outro filho?
Mamãe, o Pedro falou que os pais deles transam. O que é isso?
O que é camisinha?
Hoje na escola o João chamou a Helena de puta.
 
Embora a sexualidade infantil tenha sido “descoberta” no início do século XX, ela continuou sendo ignorada, ou mesmo anulada, pela maioria das pessoas por muitos anos mais, já que a ideia de infância, pura e sem pecado, parecia incompatível com o conceito de criança como ser sexual, um ser que busca prazer em seu próprio corpo conforme as etapas do seu desenvolvimento.
As dificuldades em lidar com os comportamentos de caráter sexual infantil fizeram, e ainda faz muitos de nós, ignorar, negar e até mesmo repreender a criança em situações de interesse ou manifestação de sua própria sexualidade. Um exemplo clássico é explicação sobre a origem dos bebês a partir da cegonha, repolhos, sementinhas comidas pela mãe ou até mesmo como um “produto” comprado no supermercado. Explicações estapafúrdias para se esquivar da verdadeira resposta sobre a concepção.
Se de um lado o fácil acesso ao conhecimento e a maior abertura para o diálogo nos auxiliam na compreensão das manifestações da sexualidade infantil, de outro, temos encontrado dificuldade em lidar com várias situações em que a sexualidade da criança se expressa. Por quê? Porque as crianças têm sido cada vez mais expostas a situações que envolvem a sexualidade adulta e as relações humanas.
A primeira pergunta feita pela criança relacionada à sexualidade refere-se à curiosidade sobre seu nascimento e sua origem – onde ela estava antes de nascer, como ela entrou na barriga da mãe, como ela se alimentava lá dentro e como saiu de lá.  Cada uma destas perguntas exploratórias e naturais da infância, em geral feita entre os 3-4 anos de idade, merece uma resposta simples e verdadeira, assim como outros questionamentos que surgem vinculados às descobertas do corpo e aos relacionamentos afetivos. No entanto, presenciamos manifestações e discursos infantis que vão além daquilo que é experimentado e “esperado” no mundo infantil.
É evidente que vivemos uma mudança na dinâmica e comportamentos da criança, antecipado por sua exposição ao mundo e ao tempo do adulto, dentro e fora de casa. Além disto, as vivências infantis se ampliaram uma vez que estão inseridas numa sociedade permeada de paradoxos, diferenças e variáveis. Nos dias de hoje, as perguntas vindas das crianças estão mais complexas porque a vida assim se apresenta: filhos de pais separadosirmãos de pais diferentes, filhos sem pai ou que não vivenciaram a presença de pai e mãe no mesmo lar, crianças educadas pelosavós, dificultando a diferenciação de papéis exercidos por eles, e até mesmo crianças criadas por dois homens ou duas mulheres.
Mas não pára por aí. O belo está associado ao sensual e muitas vezes nos remete ao sexual. O erotismo, o culto ao corpo e sua exposição, marcados em todos os âmbitos sociais, faz com que os temas abordados pelas crianças não se esgotem na simples curiosidade ou manifestação da sexualidade esperada para sua idade. O mundo adulto invadiu o mundo infantil através dos meios de comunicação, brinquedos, vestuários e produtos de diversas naturezas que transformam a criança num adulto mirim. Desodorante próprio para crianças (que ainda não apresentam sudorese elevada para fazer uso deste produto), sutiãs com bojo (para as meninas que não desenvolveram as glândulas mamárias), sandálias de salto alto, maquiagens especiais, bonecas e roupas sensuais, são apenas alguns exemplos do quanto a adultização e erotização da infância da menina tem ultrapassado os limites saudáveis da brincadeira e experimentação do mundo da mulher adulta. Hoje elas não usam mais os sapatos grandes da mamãe ou da vovó; elas têm os seus.
Com as músicas e danças de conteúdo sexual, cujos refrãos e passinhos obscenos são tão bem reproduzidos pelas crianças, elas aprendem que o que é de cunho privado é público. O exibicionismo e “poder” do masculino são reforçados para além do instinto que já lhe pertence; desde pequenos os meninos são estimulados a olharem eroticamente para as mulheres nas propagandas de revistas e na rua, chamar-lhe de gatinha/gostosa e entitular coleguinhas de namorada.
Estímulos desta natureza jogam a criança contra a experiência sexual própria da infância, na medida em que a invadem no tempo, no físico (provocando, inclusive, alterações endócrinas) e no social. Por isto, a simples pergunta sobre a origem dos bebês torna-se cada vez mais complexa, já que vem acompanhada de outras mais: O que é boiola? O que é sexo oral? Para que serve um vibrador?
Por acharem “engraçadinhas” as manifestações adultas reproduzidas pelas crianças, e sem a consciência do que isso pode provocar nelas, muitos adultos acabam estimulando comportamentos adultizados que ultrapassam aquilo que é saudável. Estas manifestações precisam ser repensadas e redirecionadas, uma vez que extrapolam o tempo, a experiência e  a condição emocional necessária para o bom desenvolvimento da criança.
Perguntas e comportamentos sexuais devem surgir de acordo com a curiosidade própria de cada etapa do desenvolvimento, entre elas: sobre a origem dos bebês,  as diferenças sexuais, jogos e manipulações genitais.  A diversidade e as diferenças existem e devem ser apresentadas às crianças conforme sua capacidade de compreensão e curiosidade/questionamentos como forma de respeito para consigo mesma.
Se pensarmos que a expectativa de vida das pessoas aumentou nos últimos anos, para quê estamos diminuindo a fase infantil e acelerando, cada vez mais, as vivências que pertencem ao mundo adulto? Crianças não aprendem de maneira voraz, sem paciência, cheias de informações que exigem tempo de maturação física e afetiva para serem tratadas e digeridas.  Devemos pensar na sexualidade infantil sob a ótica da criança, inseridas não no tempo veloz e agressivo do adulto, mas em um tempo que é respeitoso com aquele que está crescendo e aprendendo. Precocidade é porta aberta para vulnerabilidade. Vamos fechá-la?


 http://ninguemcrescesozinho.com/2012/11/22/a-sexualidade-infantil-no-tempo-e-espaco-do-adulto/

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