domingo, 4 de março de 2012

Nas obras do Porto, a história é desenterrada Antigo Cais do Valongo, porta de entrada dos escravos no Rio no século 18, é redescoberto por arqueólogos na Rua Barão de Tefé


Iniciadas no ano passado, as obras do Porto Maravilha foram planejadas não só para dar vida nova a uma das regiões mais degradadas do Centro do Rio. O que se pretendia com a revitalização da área era também resgatar parte da história da formação da sociedade brasileira, possível com a redescoberta do Cais do Valongo, a principal entrada do Rio para os escravos trazidos da África.
Situado sob o que hoje é a Rua Barão de Tefé, no bairro da Saúde, estima-se que o Cais do Valongo tenha recebido cerca de 1,2 milhão de escravos trazidos da África, de meados do Século 18 até 1831, quando foi decretada a primeira lei que proibia o tráfico de escravos no país.
– O Porto do Rio passa a ser o porto mais importante do império colonial português. E a mão-de-obra escrava era mais do que necessária, porque a ampliação dos serviços na cidade, concomitante com a já ocorrida descoberta do ouro em Minas Gerais, demandava mais e mais mão-de-obra escrava – conta o historiador Claudio de Paula Honorato, especialista na história do Valongo.

A arqueóloga Tânia Lima, que acompanha de perto o trabalho das escavações no Valongo

– As Américas receberam em torno de 10 milhões de escravos. Desse total, o Brasil foi responsável por 40%. À época, o Rio recebe de 60% a 70% dessa mão-de-obra. E só pelo porto do Rio entraram mais de 1,2 milhão desses escravos, sem contar outros pequenos portos, como Ponta Negra, ilha de Marambaia, Cabo Frio – explica Honorato.
Em 1776, o então Marquês do Lavradio decreta que o comércio de escravos seja transferido do Centro, onde hoje é a Praça 15, para a área do Valongo. A região cresce em importância no tráfico de escravos, que agora eram negociados em casas próximas ao Cais.
– Era um local ideal, porque estava cercado por morros. Então escondia essa visão nefasta que o tráfico negreiro proporcionava às pessoas da elite e aos viajantes, que costumavam dizer que, ao chegar ao Rio de Janeiro, tinham a impressão de estar chegando à África, por causa da quantidade de negros que havia nas ruas – ressalta o historiador.
A história do Cais do Valongo começa a ser enterrada em 1843, com a notícia da vinda da imperatriz Teresa Cristina para o Brasil. Grandes blocos de granito foram sobrepostos ao antigo acesso de escravos, dando ar imponente à região.
– Houve uma intenção muito forte, muito vigorosa de se apagar o Valongo, que era uma chaga vergonhosa para a sociedade – diz Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional que comanda as escavações no sítio do Cais do Valongo.


Objetos do cotidiano dos escravos e da elite da época, como louças e ferramentas, são recolhidos pelo Museu Nacional

Tânia conta que a determinação para o acompanhamento da obra partiu do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A partir daí, um projeto foi elaborado pela equipe do Museu para que o trabalho começasse junto com as obras de drenagem e urbanização da Rua Barão de Tefé.
– Nós entendíamos, a partir de registros documentais, que por baixo do Cais da Imperatriz estaria o Cais do Valongo. Quando as equipes da Prefeitura chegaram ao local, nós chegamos juntos e começamos a escavação. O que foi surpreendente é que nós não esperávamos estruturas tão bem preservadas quanto as que nós encontramos – explica a arqueóloga.
As escavações, que ainda acontecem, devem se estender por toda a Praça do Jornal do Commercio, onde uma coluna decorativa já lembrava aos visitantes a existência do Cais da Imperatriz sob os últimos aterros do Porto. O local vai se transformar numa nova praça, onde os visitantes vão poder caminhar entre as estruturas históricas por passarelas.
– Não queremos simplesmente produzir um cercado de concreto para as pessoas olharem de cima. A gente quer que as pessoas façam essa imersão, porque é importante para sensibilizar, para emocionar, para que as elas possam compreender melhor essa história – explica o subsecretário de Patrimônio Cultural da Prefeitura, Washington Fajardo. Para o professor Honorato, que estuda a importância da região do Valongo para a formação da cultura brasileira, o projeto Porto Maravilha tem um papel fundamental no resgate da origens negras do país.
– Isso aqui não é só a história do Rio de Janeiro: é a história do Brasil, é a nossa memória, a formação do povo brasileiro, sintetizada nessa região que um dia foi a Pequena África. Valongo.

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