Senta aqui, amiga, precisamos conversar sobre o mito da democracia racial. Precisamos mesmo!
É muito comum ouvir que não há mais racismo no Brasil. Isso poderia ser um indicativo de que realmente vivemos a sonhada democracia racial, mas não é! Essa visão equivocada na verdade diagnostica algo preocupante: a absoluta falta de conhecimento a respeito da realidade alheia. É preciso abrir os olhos para avaliar o que nos cerca e é preciso aprender a ouvir o outro. Só assim dá para ter mais conhecimento sobre o que é a opressão racial. Afim de refletir melhor sobre o tema chamamos ao debate Djamila Ribeiro, secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, mestra em filosofia e pesquisadora focada em política, feminismo e identidade negra.
Então aí vão 10 apontamentos para refletir sobre o racismo no Brasil de hoje.
1. A falta de conhecimento sobre o que significa a palavra “racismo”.
“Muitas pessoas confundem racismo com preconceito. Na verdade ele é um sistema de opressão que confere privilégios a um grupo racial em detrimento de outro. A ofensa racista é apenas uma das formas de sinalizar o racismo. É preciso ter uma noção mais ampla disso”, explica Djamila. Identificar esse erro comum é o primeiro passo para compreender o problema de fato.
2. Onde estão os negros?
Você já ouviu falar no “teste do pescoço”? Trata-se de um exercício (proposto pelos ativistas Francisco Antero e Luh Souza) em que cada pessoa deveria esticar o pescoço para dentro de lugares como joalherias, hospitais particulares e universidades para ver quantos negros encontra. Somado a isso, também é imprescindível atentar-se à falta de representatividade negra na grande mídia e na política! Esse exercício simples é revelador e vai de encontro com às estatísticas da desigualdade. Para começo de conversa, o IBGE aponta que no Brasil um negro ganha, em média, 57% do salário de um branco. A população negra e parda representa 52% da população brasileira e 71% da população analfabeta (de acordo com um levantamento da UFRJ) e o IBGE indica, ainda, que os negros são apenas 0,11% dos mestres e 0,03% dos doutores no Brasil.
3. O espanto frente ao caso Maju.
Lembra do #SomosTodosMaju? Quem parou para ler a chuva de comentários nas redes sociais pode perceber que muita gente se espantou ao ver que ataques desse tipo ainda são uma realidade. Para Djamila, não adianta indignar-se e pensar que esse é um caso isolado, é preciso reconhecer o racismo como problema estrutural. “Não dá pra ter indignação seletiva, revoltar-se com o que aconteceu com a jornalista, mas calar-se quando é com o porteiro, com o menino da periferia”. A indignação é positiva, mas ela é inócua quando não existe reflexão sobre o problema. O que cada um de nós tem feito para mudar essa realidade que nos incomoda?
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4. O comentário de Luana Piovani frente às ofensas sofridas por Taís Araújo.
Taís Araújo também foi vítima de ataques nas redes sociais. Na ocasião, Luana Piovani alfinetou a colega: “(…) Sacanearam ela na internet? Foi isso? Porque eu sou blaster sacaneada e xingada na net e nunca saíram em defesa (…)”, escreveu Luana no Facebook. Relativizar a discriminação é só uma amostra da falta de entendimento a respeito do racismo e da injúria racial. Não é sobre ~sacanear~, é sobre disseminar o ódio direcionado a uma parcela específica da população.
5. O mito do racismo reverso.
“Não existe racismo de negros contra brancos porque este é um sistema de opressão. Negros não possuem poder institucional para serem racistas”, aponta Djamila. Gente, precisamos falar sobre privilégios! Para quem acha que ser chamado de “branquelo” tem o mesmo peso dos ataques sofridos pelas pessoas de pele escura, basta pensar em quantas vezes você sentiu que alguém não quis sentar ao seu lado no ônibus por ficar incomodado com a sua brancura. Quantas vezes você teve medo de perder uma vaga de emprego por ser branca demais. Quantos olhares atravessados teve que encarar por ser a pessoa mais branca de todas em algum evento. O mito do racismo reverso é esdrúxulo simplesmente porque não há histórico de perseguição político-cultural voltada aos caucasianos enquanto grupo étnico. Simples assim.
6. A discriminação disfarçada.
É o bom e velho “não sou racista, até tenho amigos negros” unido ao “poxa, isso foi só uma brincadeira”. Apenas pare! Também é importante falar sobre outro problema grave: a naturalização da ofensa racista. Lembra da torcedora gremista que foi flagrada chamando o goleiro Aranha (do Santos) de macaco? Na época ela pediu desculpas publicamente e declarou: “Aquela palavra macaco não foi racismo da minha parte. Não teve intenção racista. Foi no calor do jogo, o Grêmio tava perdendo”. Gente, a partir do momento em que a etnia do sujeito vira pretexto para um xingamento, você está sim sendo racista. Você está contextualizando aquela etnia de forma pejorativa e, com isso, reforçando uma ideia de menos-valia. “As pessoas sequer entendem o quanto isso é ofensivo, pois aqui no Brasil a gente viveu durante muito tempo acreditando no mito da democracia racial. É preciso falar mais sobre isso, pois essa questão foi banalizada”, diz Djamila.
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7. O conceito de cabelo “bom” e “ruim”.
Esse é outro flagrante da reprodução de conceitos culturalmente estabelecidos para desvalorizar as características étnicas dos negros. Pare e pense: baseado em que é legítimo afirmar que um cabelo é melhor do que o outro? Com isso, também é importante compreender que o resgate do cabelo afro (a chamada transição capilar) é muito mais do que uma simples tendência de moda. Esse movimento diz respeito a uma revolução muito maior! “A nossa beleza foi estigmatizada, pois há um padrão eurocêntrico de beleza que inferioriza o negro. Valorizar as nossas características é um ato político, pois estamos indo contra esse padrão. Também vale lembrar sobre a importância de ver a beleza negra como algo diverso. Não existe uma única beleza negra, nossas características são muito variadas”, comenta Djamila.
8. O não-cumprimento da lei 10.639.
Você sabia que existe uma lei prevendo que a história e a cultura afro-brasileira sejam ensinadas em todas as escolas do Brasil? Essa lei está em vigor desde 2003, mas ainda é pouco fiscalizada. Segundo Djamila, alguns municípios fazem o acompanhamento junto às escolas, mas não há esforços à nível estadual e nacional. “A escola poderia ser um espaço muito importante de mudança, mas acaba sendo um ambiente de reprodução da mentalidade opressora”.
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9. O desrespeito às religiões de matriz africana.
A tolerância religiosa é outro mito contemporâneo. Na política, o mesmo grupo que defende o direito à livre expressão das convicções cristãs é aquele que persegue religiões como umbanda e candomblé. Há poucas semanas, vereadores evangélicos de Petrolina/PE pediram ao Ministério Público que retire do Rio São Francisco as imagens de Iemanjá e do Nego D’Água, inauguradas há três anos. Eles alegam que as esculturas ferem a constituição, já que o rio é laico e não deveria estar ligado a religião alguma. A contradição tacanha é facilmente perceptível, uma vez que esse mesmo rio leva o nome de um santo católico. Mas isso parece não incomodar os vereadores. Se essa premissa da inconstitucionalidade fosse aplicada à risca, nem o Cristo Redentor escaparia! “A mitologia negra foi historicamente demonizada e essa é mais uma das facetas do racismo estrutural. As pessoas sequer se dão conta disso, pois essa demonização já foi naturalizada”, aponta Djamila.
10. O mapa da violência no Brasil.
Divulgado esse mês, o mais recente levantamento do Mapa da Violência fala especificamente sobre homicídio de mulheres. É muito assustador ver que, por mais que o número de homicídios de mulheres brancas tenha diminuído, a soma total de homicídios cresceu, tamanho foi o aumento do número de vítimas negras. Ou seja: nem mesmo a diminuição dos casos envolvendo brancas conseguiu fazer com o total de homicídios diminuísse. Entre 2003 e 2013, os homicídios contra mulheres brancas caiu 11,9% e o de negras aumentou 19,5%, o que acarretou num aumento total de 8,8%.
Mapa da Violência 2015 – Homicídio de mulheres no Brasil
Já em 2013, o Mapa da Violência (no estudo intitulado Homicídios e Juventude no Brasil) informou que os negros representam 71,4% das pessoas assassinadas em nosso país. Em entrevista ao UOL, o coordenador das pesquisas Julio Jacobo Waiselfisz explicou o fenômeno: “Na prática, a população branca que tem mais recursos paga por uma segurança extra. Isso acontece nas lojas, nos shoppings para onde esse público vai. Na realidade, a população branca acaba tendo acesso a duas formas de segurança: a do Estado e a privada”.
Na teoria, a Constituição Federal prevê direitos iguais a pessoas de qualquer etnia. Na prática, infelizmente a realidade ainda é outra. E a gente precisa falar mais sobre isso. Todos nós! Se você não sente na pele a opressão racial, logicamente você não deve querer protagonizar essa luta, mas, como explica Djamila, pode contribuir para que ela ganhe força: “A pessoa branca está acostumada a ser representada em todos os espaços, por isso ela precisa aprender a ouvir o outro lado. A escuta é muito importante para compreender e respeitar a vivência negra”. Primeiro dar espaço à voz do outro, depois refletir sobre nossas atitudes individuais e, por fim, mudar o comportamento no dia a dia. Não espere que uma personalidade seja atacada para demonstrar solidariedade, reprima o racismo hoje mesmo. E sempre!
http://mdemulher.abril.com.br/estilo-de-vida/10-fatos-contemporaneos-para-refletir-sobre-racismo-no-brasil/
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